Cartas à Eternidade (1/3)

Antártica, 1985

Querida Dra. Li,



É com muita felicidade que recebo a notícia que se juntará a nós aqui na Comandante Ferraz! Ainda estamos nos acostumando com o frio (e ainda há aquecedores dentro de caixas para serem montados), mas já conseguimos com sucesso restabelecer nosso laboratório e dar continuidade à nossa pesquisa. 


Espero que o seu tempo no hospital tenha sido agradável, apesar dos pesares... Apenas me preocupo se o clima irá afetar sua saúde a longo prazo, dadas as circunstâncias.

De qualquer forma, aguardo ansiosamente a continuação de sua participação à nossa pesquisa. Ainda há algumas questões humanitárias que me preocupa que gostaria de saber sua opinião, mas não podemos nos desviar do objetivo final.

Atenciosamente,

Alfonso Reis


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Prezado Doutor Reis,


Agradeço a preocupação com minha saúde. Ela não é mais a mesma (não temos mais 20 e poucos anos, afinal!), porém não irei parar por nada até atravessarmos à linha de chegada.

Aliás, recebi junto à sua carta um informe dos últimos resultados que obtiveram, e devo dizer que estão muito além da minha expectativa neste ponto do projeto. Penso que as condições climáticas da base são fatores determinantes para evitar a dissipação de energia no momento do desprendimento! O que nos resta agora é repensar o processo de preservação e transporte, visto que o desenho inicial do invólucro possui baixa resistência termal.
E se consideramos algum material orgânico, como carbono ou grafite?  

Espero poder contribuir o quanto antes com ações além de meras sugestões. Lembro-me dos tempos da universidade, quando dividimos um microscópio nas aulas de Medicina (e foi a época onde tive o maior prazer pela ciência).

Saudações,

Gabriela Li


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Querida Dra. Li,


Eu sou um tolo, e você é um gênio! 
Assim que li sua carta, realizei um teste com o contêiner de energia com uma simples camada de grafite envolvendo o núcleo, e obtivemos resultados incríveis (envio em anexo o relatório energístico)! Por alguns segundos fomos capazes de preservar a energia desprendida em uma cápsula improvisada, e já iniciamos a revisão do contêiner levando em consideração o uso de materiais orgânicos em sua composição. 

É uma pena que não foi o suficiente para tentarmos a transferência de energia a tempo e testarmos nossas teorias… Mas, não se pode esperar avanços grandes todos dia, não é mesmo?

Hoje pela manhã recebemos um novo lote de espécimes, iremos dobrar os esforços pelos próximos dias.

P.S.: Os tempos da escola de Medicina foram os melhores que vivi.

P.P.S.: Estamos com algum mal-funcionamento no aquecimento da base, garante-se que venha preparada para o frio. Já acionei o time de manutenção, mas parece que está mais frio aqui dentro do que lá fora, na neve.

Abraços,

Alfonso Reis


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Prezado Alfonso,


Recebi hoje pela manhã a notícia de que meu processo está atrasado, e deve levar cerca de mais 3 meses para tudo estar em ordem. Não deveria, mas isto me deixou para baixo - gostaria de estar trabalhando ao seu lado para participar destas descobertas.

Enquanto isso, aguardo com ansiedade o momento que poderemos explorar juntos as implicações da nossa pesquisa. Já imaginou, daqui 100 anos, e estudarem sobre o que fizemos (e o que ainda faremos), como se fosse hoje? Sei que não deveríamos fazer isto pela fama, mas… É de certa forma bem excitante.

Sobre as questões morais, teremos tempo de sobra para reparar qualquer dano que seja feito. Pense no resultado, Alfonso, e no futuro.

Sinceramente,

Gabriela Li

P.S.: Além da má notícia do processo, acordei com uma tosse reincidente. Não deve ser nada de mais, mas com certeza irei me cuidar.


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Querida Gabriela,


Preocupa-me muito se sua saúde está em risco. Não gostaria de repensar sua vinda para Antártida? Contribuirá muito mais de onde está, mesmo que por cartas, do que a alternativa, se sofrer uma crise mais forte do que as passadas. 

Hoje tivemos um caso durante uma das sessões de desprendimento, e gostaria de sua opinião... O espécime em análise apresentou maiores níveis de consciência do que o esperado durante o processo. No fim conseguimos finalizar o experimento, porém necessitamos de ajuda dos assistentes para segurar seus membros em posição. Isto apresentou um certo empecilho, porém obtivemos um resultado inesperado: o nível de energia coletado foi incrivelmente maior do que o costume! Não conseguimos medir corretamente pois o medidor apresentou falha (o indicador ficou preso no máximo), porém tentarei replicar este cenário novamente. 
O que pode ter acontecido? 

Elaboramos algumas teorias do nosso lado, porém não senti firmeza. Sinto falta da sua perspicácia nestes momentos.

Abraços,

Alfonso Reis

P.S.: A base está oficialmente sem aquecimento. O time de manutenção nos tenta explicar que os geradores estão no máximo, que trocaram os termostatos centrais, e que não conseguem encontrar um motivo para este frio incessante, porém sei reconhecer uma desculpa quando vejo uma. Uma coisa eu sei, o nosso laboratório parece ser o local mais frio desta base.

Comentários

  1. Curti bastante o formato! E é legal como a gente "pegando a história no meio" (in media res) vai tentando desvendar o contexto, aumenta a curiosidade. Aguardando as próximas partes!

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  2. Muito bom, fiquei pensando no que poderia ser o projeto e os experimentos, se são com pessoas, animais reais ou criaturas fantásticas, seria um Yeti? Hehehe
    O problema no aquecimento já dá um gostinho do que está por vir.
    No aguardo das outras partes.

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