O dia de Eileen
Eileen é jovem e muito
solitária assim como a maioria das pessoas de sua idade, exceto aquelas que
conheceram seu parceiro bem cedo. Há 9 anos a vida era bem diferente, as
pessoas se conectavam pessoalmente e não virtualmente, desde que uma doença
respiratória extremamente contagiosa tomou conta do planeta as coisas mudaram.
Existem pessoas que dizem que se for para viver em isolamento é melhor nem
viver, ironicamente todo grupo que resolve se juntar fisicamente acaba virando
mais números na estatística de mortos. O ar se tornou algo muito valioso nos
dias de hoje, todas as casas têm sistemas internos de circulação de ar, que se
alimentam de cilindros de ar comprimido pois o ar externo está muito
contaminado. Todos carregam pequenos cilindros de ar consigo quando saem de
casa para se manterem respirando ar puro.
Eileen está preparando
o seu cilindro para sair, o alarme da casa está apitando há um bom tempo o que
indica que o ar do sistema central está para acabar, por sorte Eileen conseguiu
um serviço que pagará em cilindros hoje. Mal conseguiu ajustar a máscara no
rosto e o alarme parou, indicando que acabou o oxigênio na casa, tinha
esperança de ainda ter o suficiente para trocar os cilindros sem precisar
respirar em um quando voltasse do trabalho. Ela sobe em sua bicicleta elétrica
e vai até um mercado a 5 km de sua casa. O transporte público é escasso e com
vagas limitadas, é difícil depender dele, ter um veículo próprio é um desperdício
de recursos pois é possível conseguir muito ar pelo preço de mantê-lo.
Eileen chega ao
mercado adiantada, a carga ainda não chegou. Virá em um caminhão autônomo, o
mais comum hoje em dia, ela ainda se lembra vagamente da época em que pessoas
dirigiam veículos e havia muitos acidentes de trânsito, havia tanta gente no
mundo que as pessoas aceitavam mortes. Ela acena para o dono do mercado que a
observa pela janela de seu escritório, no segundo andar. Toda a comunicação é
feita pelos telefones, sejam mensagem ou ligações, ninguém discute cara-a-cara.
Ela sente o celular vibrar com uma mensagem: “É aquele caminhão virando a
esquina”.
Como era de se esperar
é um caminhão pequeno e aberto, ao estacionar em frente ao galpão do armazém
atrás do supermercado um clique destravando a carroceria é ouvido. Eileen retira
a lona sobre a carga e seu coração dispara, são sacos de grãos. Ela está usando
seu último cilindro e tem apenas o suficiente para umas 8 horas de ar, sacos de
grãos são pesados, se não controlar sua respiração não terá ar suficiente para
terminar além de não poder ter muitas pausas, sua vida depende disso.
A maioria dos grandes
supermercados e hipermercados tem empilhadeiras e carrinhos de carga autônomos,
são os poucos mercados menores que ainda pagam pessoas para descarregar os
caminhões. Esse é só um dos trabalhos que Eileen e muitos como ela exercem para
conseguir se sustentar, as pessoas estão o tempo todo tentando aprender novas
funções para ter mais versatilidade e achar mais serviços. Num mundo incerto se
você vai estar vivo daqui uma semana ninguém mais tem estabilidade e se focar
em um só trabalho é perigoso, os que tem uma vocação principal sempre criam um
plano B, C e D.
Apesar do estresse e
da pressão Eileen é capaz de terminar o dia de trabalho com 15 minutos extras
de ar. Recebeu cilindros suficientes para durar mais dois dias e meio porém
ainda não conseguiu um serviço para amanhã, não é novidade ter que viver um dia
de cada vez. Ao chegar em casa recarregou o sistema central e desabou a chorar.
Pensou em desistir, simplesmente deixar de se esforçar e esperar o ar acabar
para morrer. É uma morte comum, as pessoas chamam de suicídio passivo. Eileen
já pensou em fazê-lo diversas vezes, principalmente em momentos como em que
falta oxigênio no cérebro. Com o tempo se acostuma com a vida ruim e consegue
seguir em frente, um dia após o outro, assim como todo mundo.
Uau haha um pouco desesperador. E dá pra perceber que essa ter sido talvez a primeira história após o início da pandemia pode ter tido uma influência sutil haha
ResponderExcluirAchei que o texto em geral foi bem construído, mas as frases em si achei às vezes um pouco confusas. Às vezes se quebrá-las mais ou construí-las de forma diferente possa ficar mais claro.
Por exemplo, a frase:
"Eileen está preparando o seu cilindro para sair, o alarme da casa está apitando há um bom tempo o que indica que o ar do sistema central está para acabar, por sorte Eileen conseguiu um serviço que pagará em cilindros hoje."
Talvez pudesse ser construída dessa forma:
"Eileen está preparando o seu cilindro para sair. O alarme da casa está apitando há um bom tempo, o que indica que o ar do sistema central está para acabar. Por sorte ela conseguiu um serviço que pagará em cilindros hoje."
De forma que diferentes frases expressem pontos diferentes - acho que facilita a leitura.